Ventava pouco àquela hora. Algumas nuvens se juntavam no céu prometendo uma chuva. Talvez eu devesse ter vindo em outra noite. Talvez ele já estivesse dormindo. Mas, se eu pudesse falar no ouvido dele enquanto ele dorme talvez ele entenda, talvez ele acredite...
Uma luz repentina clareou a janela. Alguém acordou no quarto. Tento não me mexer, nem imagino o que ele iria pensar se chegasse à janela e me visse agachada em cima do muro do seu prédio. A luz iluminou o lugar onde eu estava no muro, mas por sorte, apagou-se de novo. Fiquei mais aliviada, alarme falso. Não pude ver quem era andando no quarto, mas vi uma mão afastar um lado da cortina, deixando o vento entrar... e um barulho familiar chegar aos meus ouvidos.
Tentei me concentrar no som, era um choro, alguém estava chorando. Era ele, eu sabia, mas porque ele chorava? Por que estava triste? Como eu queria dizer tudo para ele agora, como eu queria contar quem eu sou e porque estou fazendo isso. Como vou poder ajudá-lo se sei que ele vai ter medo de mim...
Mas ele me chamou, ele pediu que eu viesse. Ele precisa de mim... e agora eu preciso dele também. Sei que não podia ter deixado isso acontecer, mas aconteceu. Sei que é impossível ficarmos juntos, somos diferentes. O que ele sabe sobre mim? Para ele eu sou apenas mais uma que ela conheceu na rua por acaso dias atrás. Mas ele não sabe. Não sabe que eu o conheço desde sempre.
Uma lágrima desliza em meu rosto e cai nas costas de minha mão. Para falar a verdade eu não sabia que podia chorar. Incrível ver que uma parte de mim ainda é humana.
Continuo ouvindo a tristeza dele, entre um soluço e outro ouço ele me chamar de novo. Com lágrimas nos olhos eu o ouço deitado na cama, falando baixinho para mim "Me ajuda, tira essa dor do meu peito, eu não quero mais sofrer, não de novo..."
Outra gota pinga em minha mão, eu falo baixinho também sem me importar se ele vai ouvir "Eu estou aqui agora, você me chamou e eu vim, e nunca vou te deixar, não chore mais, por favor..."
Nesse momento minha blusa rasga nas costas, deixando crescer aquilo que as pessoas não podem ver. Fico de pé no muro, minhas asas estão prontas. Com um impulso silencioso desloco o ar atrás de mim, sobrevôo lentamente à distância até alcançar a sua janela. Todos estão dormindo. Paro tranquilamente no ar, suas cortinas balançam levemente com o vento. Toco o parapeito com as mãos e coloco a cabeça para dentro do quarto. Ele ainda chora, com a cabeça enterrada no travesseiro. Ele nem me percebe levitando em frente a sua janela. Inclino minha asa direita para frente, escolho a mais bonita das penas, e num gesto confuso de amor e compaixão, arranco um pedaço de mim.
Outra lágrima cai agora no parapeito da janela. A dor passa rápido, solto a pena e peço ao vento que a leve para ele. O meu presente pousa suave no seu travesseiro, ele se vira assustado, eu não estou mais ali. Cruzo o ar como uma sombra silenciosa. Escondo-me numa árvore do outro lado da rua, ainda vejo a janela dele daqui.
Sinto-a tocar a pena com as mãos, sinto o olhar de curiosidade dela ao ver aquilo. Como que por impulso ela se levanta, caminha lentamente até a janela entre aberta. Põe a cabeça para fora e não vê ninguém, nada. Nenhum pássaro, nenhum anjo...
Triste, ele abaixa a cabeça, seus olhos sem querer encontram uma coisa que antes não estava ali. Minha lágrima, a gota que chorei quando arranquei um pedaço de mim. Aquela gota era para ele também.
Ele sorriu por um instante, olhou para o céu, que agora derramava suas primeiras gotas de chuva, olhou de novo para a lágrima que deixei. Um olhar triste tomou conta dele de novo, talvez ele tenha achado que foi a chuva que chorou em sua janela... ou talvez não.
Fechou a janela, a chuva aumentava. Pude sentir ele colocar meu presente embaixo do travesseiro, e pude ouvir ele dar um último suspiro antes de adormecer.
A chuva cai forte sobre mim, molhando minhas asas, meu corpo, meu rosto... Não sei se estou chorando ainda. As gotas que caem agora podem ser lágrimas ou chuva, não sei. Mas sei que estou aqui agora... estou aqui por ele... para ele... E nenhum mal jamais irá lhe acontecer.
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